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A Fragilidade Americana: Sociedade Dividida, Economia Deteriorada e um Império em Xeque

A erosão do consenso social

A confiança nos fundamentos de uma sociedade estável e próspera não se consolida apenas por meio de instituições, mas também de mitos partilhados, crenças comuns e valores que orientam o que representa “ser americano”. No entanto, índices recentes apontam para uma ruptura profunda desse tecido simbólico. Uma pesquisa da Harvard University mostrou que a crença de que o esforço garante o sucesso recuou em 17 pontos entre os norte-americanos — um sinal de que a narrativa de mobilidade ascendente perdeu força. Enquanto isso, dados da Gallup revelam que apenas 38 % dos entrevistados afirmam que os Estados Unidos continuam sendo “o melhor país do mundo” — papel que até há pouco ocupavam com convicção.

Esse descrédito revela algo muito mais grave do que o mero pessimismo: evidencia a falta de um solo comum. Onde antes havia uma identidade coletiva, hoje proliferam câmaras-eco separatistas — “bolhas” informacionais que reforçam visões polarizadas e compartimentalizadas da realidade. Segundo levantamento, 80 % dos cidadãos declaram que o país está mais dividido do que jamais esteve. Nessa condição, o simples fato de não concordarmos sobre eventos básicos — seus significados, causas ou consequências — mina o sentido de legitimidade partilhada.

Na ausência desses vínculos simbólicos — famílias, fé, comunidades locais, instituições de mediação — a sociedade perde a sua coesão. Quando a crença comum falha, o estado de direito e as instituições ficam vulneráveis ao descrédito e à contestação constante. Um sistema fragmentado, em que não há mais consenso sobre valores ou regras, arrisca-se a entrar em colapso muito antes de falir contas públicas.

Caos político e declínio institucional

O cenário de polarização social está aliado a um desgaste institucional acelerado. Examine-se o funcionamento político dos últimos anos: mais de 22 bloqueios de funcionamento do governo federal ocorreram nos EUA no espaço de cinco décadas, sendo metade deles nos últimos dez anos — o que revela um aumento abrupto da disfunção. Essa descontinuidade operacional, aliada à estagnação legislativa e à escalada de ameaças de violência política, reforça a percepção de que o sistema público não responde aos cidadãos.

Essa perda de credibilidade institucional torna as eleições, anteriormente instrumento de escolha e alternância, em palco de guerra simbólica. Quando mais de 80 % dos republicanos acreditam que os processos contra Donald Trump são parte de um sistema legal “armado”, e mais de 80 % dos democratas encararam o caso de Hunter Biden como equivalente, o conflito não se resolve nas urnas, mas nas ruas e nos tribunais. A confiança no processo eleitoral dos EUA caiu ao 43º lugar entre os países avaliados em âmbito global.

Com essa erosão, aumentam os riscos de radicalização, de normalização de ações extremas e de abertura para regimes de exceção. A história mostra que impasses institucionais prolongados costumam preceder rupturas democráticas, e a degradação das normas de governança abre espaço para um centralismo autoritário que só exige consentimento formal.

Degradação econômica: dívida, inflação e estagnação

Se a base simbólica e institucional da sociedade americana se comprometeu, a engrenagem econômica também encaminha-se para um terreno instável. A dívida pública dos Estados Unidos ultrapassou os US$ 37 trilhões — um nível que os analistas estimavam não alcançar antes de 2030. The Independent+2Peterson Foundation+2 A esse ritmo, os custos com juros atingem um patamar que ameaça superar gastos em defesa ou saúde e assumem o risco de se transformar no maior item do orçamento.

Além disso, com taxas de inflação elevadas e crescimento salarial estagnado, os ativos produtivos são empurrados para fora do alcance de parcelas crescentes da população. A razão preço de imóvel/ renda mediana, por exemplo, disparou. Sem patrimônio tangível, os jovens percebem que a “porta de entrada” na mobilidade social está fechando, e, sem perspectivas, a frustração se converte em alienação ou hostilidade. É nesse vácuo de futuro que a votação de ativos tradicionais — e a crença no sistema — começa a ruir.

A combinação desses três vetores — cultural, institucional e econômico — cria um cenário no qual a “murada” do modelo americano parece rachada. Não é apenas uma crise cíclica: é um processo de desintegração gradual, porém acelerado, cujos sinais se acumulam em várias frentes.

Qual é o próximo passo para um império em declínio?

Historicamente, impérios e grandes potências que se acomodaram sustentavam sua posição numa tríade: crescimento economico, legitimidade social e domínio externo — cidades-portas para o mundo, tecnologia de ponta e moeda de reserva global. Nos dias atuais, a China já ultrapassou os EUA em termos de paridade de poder de compra, concentra quase metade das patentes globais-top, possui 70 % da produção de terras-raras e cresce enquanto o Ocidente vacila.

O declínio americano, portanto, não se refere apenas a perda de primazia, mas a possibilidade de um redirecionamento histórico: se uma potência que dominou o século XX falha em se regenerar, torna-se um arquipélago de relevância que já foi. A moeda perde o privilégio extraordinário de reserva; a atração de capital, empreendedores e talento migra para jurisdições com menor risco e maior visão de futuro.

O que vem depois? Não é necessariamente a ruína total dos EUA, mas a transformação de seu papel. Uma potência que deixará de “dar o tom” na economia global, uma nação que ainda existe, mas cuja influência diminuiu. Em sua ausência, espaços estratégicos serão ocupados por atores mais ágeis, menos vulneráveis e mais disciplinados.

Desafio individual: o que fazer para se proteger e prosperar

Mesmo que o destino coletivo permaneça incerto, há ações concretas que cidadãos — ou investidores — podem empreender para se blindar às tempestades económicas e sociais. Em primeiro lugar, cultivar literacia financeira e diversificar ativos fora do sistema tradicional. Em segundo, pensar em resiliência local (moradia, emprego, renda alternativa) mais do que em status externo. Em terceiro, manter relevância competitiva: em mercados em transformação, quem domina habilidades, empreende ou adapta habitualmente supera aqueles que esperam “o sistema” funcionar.

Hoje, mais do que simplesmente “confiar” no sistema, é preciso observá-lo, compreendê-lo e proteger-se dele. O futuro não é dado. É construído — e às vezes, assegurado antes que a ruptura se torne irreversível.

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Written by BELFOX23

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