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O Fim da Hegemonia do Dólar? Como o Mundo Está Reagindo à Crise de Confiança na Moeda Americana

“O império do dólar está em risco: entenda por que o mundo começa a buscar alternativas à moeda dos EUA.”

A nota que domina o mundo

À primeira vista, uma nota de um dólar pode parecer apenas um pedaço de papel. No entanto, ela representa o poder do maior império econômico da era moderna. Esse pequeno retângulo verde é aceito praticamente em qualquer canto do planeta. Ele compra desde o petróleo do Oriente Médio e a soja brasileira até os carros alemães e os eletrônicos chineses.

O dólar movimenta 88% de todas as transações internacionais e compõe 57% das reservas cambiais globais. Mais do que uma moeda, ele se tornou uma ferramenta geopolítica. Com ele, os Estados Unidos não apenas financiam sua economia, mas também exercem poder político e militar sem disparar um tiro.

A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 ilustrou esse poder. Bastou Washington e seus aliados europeus bloquearem bancos russos do sistema SWIFT, a rede que processa pagamentos internacionais, para causar um colapso financeiro imediato. Empresas deixaram o país, cartões de crédito foram cancelados e cerca de US$ 300 bilhões em reservas russas foram congelados. Sem disparar um míssil, os EUA impuseram à economia russa um dano comparável a décadas de guerra.

A moeda que vale por fé

O mais impressionante é que esse poder não deriva de ouro, petróleo ou qualquer outro ativo físico. O dólar vale porque o mundo acredita que ele vale. É um sistema baseado em confiança — confiança na estabilidade institucional e na força da economia americana.

A frase “In God We Trust” impressa em cada nota é um símbolo desse contrato invisível: a crença de que o governo americano honrará seus compromissos. Mas e se essa confiança começar a se desgastar?

A participação do dólar nas reservas globais está no menor nível em 25 anos. Nações como China e Rússia já realizam transações bilaterais em suas próprias moedas. O Brasil e outros países do bloco BRICS discutem mecanismos para reduzir sua dependência do dólar. Até o ex-presidente americano Donald Trump reconheceu que perder o status de moeda de reserva global seria o mesmo que perder uma guerra mundial.

De Bretton Woods ao petrodólar: o nascimento de um império monetário

Para compreender como chegamos até aqui, é preciso voltar a julho de 1944. No luxuoso hotel Mount Washington, em Bretton Woods (New Hampshire), representantes de 44 nações se reuniram para reconstruir o sistema financeiro global após a Segunda Guerra Mundial.

Com 70% das reservas de ouro mundiais e 35% do PIB global, os Estados Unidos eram a única potência intacta e propuseram um novo arranjo: o dólar se tornaria a moeda de referência mundial, conversível em ouro a uma taxa fixa de US$ 35 por onça.

A lógica era simples: cada dólar em circulação teria um lastro metálico, o que limitava a emissão descontrolada de dinheiro. Caso os EUA gastassem além da conta, bancos centrais estrangeiros poderiam trocar dólares por ouro — um mecanismo de disciplina automática.

Mas em 1971, sob pressão da Guerra do Vietnã e da inflação, o presidente Richard Nixon rompeu essa promessa, encerrando a conversibilidade do dólar em ouro. O mundo ingressou na era das moedas fiduciárias (fiat) — sustentadas apenas pela confiança.

Dois anos depois, em 1973, os EUA criaram um novo pilar para sua hegemonia: o acordo do petrodólar com a Arábia Saudita. O pacto estabelecia que o petróleo mundial seria vendido exclusivamente em dólares, garantindo demanda permanente pela moeda. Em troca, Washington oferecia proteção militar ao reino saudita.

Assim, o dólar se consolidou como a moeda da energia global. Para comprar petróleo — a mercadoria mais estratégica do planeta — era preciso ter dólares. E enquanto o mundo produzia, os EUA podiam simplesmente imprimir.

O “privilégio exorbitante” dos Estados Unidos

Essa posição única deu origem a um conceito econômico conhecido como “privilégio exorbitante”. Ele se manifesta em quatro dimensões principais:

  1. Importação infinita: os EUA podem comprar bens do mundo inteiro emitindo sua própria moeda.

  2. Demanda constante: a necessidade global por dólares mantém seu valor artificialmente alto.

  3. Arma financeira: Washington pode aplicar sanções cortando o acesso de países ao sistema em dólar.

  4. Dívida barata: como o mundo quer dólares, os EUA conseguem se endividar a juros baixos.

Por décadas, o sistema pareceu perfeito. Mas havia uma armadilha — o Dilema de Triffin, formulado em 1959 pelo economista belga-americano Robert Triffin. Ele advertia que, para o mundo ter dólares suficientes, os EUA precisariam gastar mais do que arrecadam. Só assim o planeta teria liquidez internacional.

Contudo, déficits constantes minam a confiança na própria moeda. O país emissor precisa escolher: ou mantém uma moeda forte e equilibrada, ou fornece liquidez global correndo o risco de corroer a credibilidade.

O colapso de Bretton Woods em 1971 confirmou a profecia de Triffin. Desde então, o dólar sobrevive pela inércia — sustentado pela força militar e pelo comércio de energia, mas sem o lastro de outrora.

Dívida, desindustrialização e o preço da hegemonia

Os efeitos de décadas de déficits são visíveis. A indústria americana despencou de 24% do PIB em 1970 para menos de 10% hoje. A economia passou a depender de consumo e crédito.

Manter o dólar valorizado facilitou importações, mas encareceu exportações. O resultado: mais de 50 anos de déficits comerciais consecutivos. Só em 2024, o saldo negativo foi de US$ 1,2 trilhão. O mundo inteiro, do Japão à China e ao Brasil, financia esse desequilíbrio comprando títulos do Tesouro americano.

O Brasil, por exemplo, mantém US$ 350 bilhões em reservas internacionais, dos quais mais de US$ 200 bilhões estão aplicados em dívida pública dos EUA — ou seja, emprestamos recursos para que eles continuem consumindo acima da produção.

Mas essa engrenagem começa a ranger. A dívida pública americana ultrapassou US$ 36 trilhões, equivalentes a 120% do PIB, e cresce cerca de US$ 1 trilhão a cada 100 dias. Os juros anuais já superam US$ 1,1 trilhão, mais que o orçamento de defesa.

A confiança — antes impressa nas notas — está agora em teste. De 71% em 2000, a participação do dólar nas reservas globais caiu para 57% em 2025. Pequenas fissuras que podem, no longo prazo, abalar os alicerces do sistema financeiro global.

O futuro incerto do império monetário

Ainda não há uma alternativa clara ao dólar. O euro, o yuan e até as moedas digitais estatais tentam ganhar espaço, mas nenhuma atingiu escala global. O cenário mais provável é o de um mundo multipolar, em que várias moedas — e talvez criptoativos — disputem influência regional.

Como em toda transição hegemônica, o colapso pode parecer lento até se tornar repentino. “A confiança desaparece aos poucos — e depois de repente”, dizem os economistas.

Seja qual for o desfecho, o sistema atual está sob estresse. A dependência da impressão de dinheiro, os déficits crônicos e a crescente busca de alternativas pelos países emergentes indicam que o século do dólar talvez esteja chegando ao fim.

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Written by BELFOX23

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